quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Energia nuclear: o retrocesso do debate


Domingo, 21 de Agosto de 2011. Eis que surge, na Folha de São Paulo, um exemplo ESPETACULAR de como NÃO conduzir o debate sobre a energia nuclear no Brasil! Na coluna Tendências e Debates, o Dr. Alfredo Bosi, professor da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP (Universidade de São Paulo) discorre sobre o tema de forma lamentável! Entretanto, antes de dar o meu pitaco, convido vocês à leitura da coluna.

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Angra 3 é uma questão ética

ALFREDO BOSI

O referendo italiano que rejeitou maciçamente as usinas nucleares é modelo de participação popular; talvez seja o caso de imitá-lo aqui
 

Se a construção de uma usina nuclear fosse apenas uma questão técnica, seria reduzido o número das pessoas capazes de opinar sobre o assunto. Mas os riscos a que estão sujeitas as populações que vivem perto dos reatores são inegáveis. Como nenhum cientista pode afirmar que o risco é zero, a questão passa a ser ética.
Como delegar a sorte de milhares de cidadãos à onipotência de alguns tecnocratas e aos interesses desta ou daquela empresa? Um programa sem o respaldo da opinião pública esclarecida é acintosamente antidemocrático. O referendo italiano que rejeitou maciçamente as usinas nucleares é modelo de participação popular. Talvez seja o caso de imitá-lo.
Na Alemanha, a decisão do governo de suspender o programa nuclear atendeu a um movimento cívico que exige investimento em formas de energia renováveis e seguras. Por que o BNDES se dispõe a malbaratar bilhões de dólares em Angra 3 em vez de aplicar esse capital, arrancado aos contribuintes, na difusão em larga escala daquelas formas de energia?
As empresas nucleares preferem privatizar benefícios e socializar prejuízos, no caso, perigos.
Mas não há dinheiro que possa indenizar câncer hepático ou leucemia nas crianças vítimas dos vazamentos. O cidadão brasileiro tem o direito de perguntar: o que será feito com o lixo de Angra 1, 2 e 3? Que direito temos de legar aos pósteros esse pesadelo?
O presidente Bush autorizou a remoção dos rejeitos para depósitos a serem cavados em Yucca Mountain, mas a população do Estado de Nevada e as comunidades indígenas que lá vivem há séculos rebelaram-se contra uma decisão que violava o seu território. Obama prometeu revogar o decreto do antecessor, mas o impasse continua.
Físicos da envergadura do saudoso Mário Schenberg (que condenou a instalação de uma usina em Iguape), J. Goldemberg, Pinguelli Rosa, Cerqueira Leite, Ildo Sauer e Joaquim Carvalho alertam para o caráter desnecessário da energia nuclear no Brasil. As potencialidades de nossa biomassa, bem como de outras fontes renováveis, fornecem base segura para um desenvolvimento sustentável.
Nossos cientistas são evidentemente favoráveis a pesquisas na área nuclear que tenham aplicações na biologia, na medicina e na agricultura. A energia nuclear é cara. Dados do Greenpeace: "O preço da tarifa ao consumidor pode sair por US$ 113/MWh, contra US$ 74/ MWh da energia gerada pela biomassa e US$ 82/MWh da eólica".
Arriscada, desnecessária, cara..., mas dirão que é limpa; desde quando lixo atômico é sinal de limpeza?
O enriquecimento do urânio depende de eletricidade gerada por combustíveis fósseis, como o carvão. Duas das minas de carvão mais poluentes dos Estados Unidos, em Ohio e em Indiana, produzem eletricidade para enriquecer urânio. É o que informa B. Sovacool no número 150 da "Foreign Policy".
Enfim, uma boa notícia. A OAB anunciou, em 4 de julho de 2011, que está recorrendo ao Supremo Tribunal Federal exigindo que a eventual retomada das obras de Angra 3 só possa fazer-se com autorização do Congresso Nacional e mediante nova legislação federal.
Assim o requer a Constituição de 1988. Que os parlamentares ouçam a voz dos eleitores e não se dobrem às pressões de empresários gananciosos e políticos desinformados.


ALFREDO BOSI, 74, é professor emérito da USP, membro da Academia Brasileira de Letras e participante da Coalizão Brasileira contra as Usinas Nucleares
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E aí, o que acharam? Bem, eu digo o que eu achei. Este texto é cheio de pré-conceitos e trapaças.

Notem que já no primeiro parágrafo, o autor tenta desmoralizar, com argumentos banais, os cientistas, mais precisamente aqueles que passaram anos de suas vidas se dedicando ao estudo de reatores nucleares. Isso, claro, numa tentativa de justificar por que os leitores devem continuar lendo a opinião do "não-cientista". Eu considero esse tipo de postura inaceitável em uma pessoa que se diz formadora de opinião. É certo que a Ciência não tem todas as respostas para os problemas da Humanidade, mas desacreditar completamente os cientistas não é o caminho, a menos que o objetivo seja criar uma nova seita ou religião

Também é certo que nenhum cientista possa afirmar que o risco a que estão sujeitas as populações que vivem perto dos reatores seja nulo, porque de fato não o é. Nada tem risco zero! Vivemos cercados de riscos por todos os lados. Ao comer uma simples paçoca, ou andar de ônibus, ou fazer aula de natação!

Em um aspecto eu concordo com o autor: sou a favor de uma opinião pública esclarecida (tanto o é que fiz esse blog!). Mas, ao mesmo tempo em que defende isso, o autor esconde muitas informações nas entrelinhas! Ele não disse, por exemplo, que 95% do que ele chama de "lixo atômico" pode ser reaproveitado para gerar mais energia. Que pesadelo deixaremos aos nossos descendentes: uma fonte de energia para o futuro!

Entretanto, o mais cruel desse texto é sua falsa aparência de cordeiro. Por trás da figura nobre da participação popular, há um discurso tão traiçoeiro quanto um lobo faminto!

Substituam a palavra "ética" por "ideologia" e, voilá, estamos de volta aos anos 70! Para quem não era nem nascida(o), como eu, os anos 70 ficaram marcados pelo discurso anti-nuclear proclamado aos quatro ventos pelo movimento ambientalista. Compreensível, considerando-se os eventos da época: os testes de armas nucleares durante a guerra fria.

Porém, mesmo após serem interrompidos os testes das bombas nucleares (com a assinatura do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares) e de serem adotadas medidas para se aumentar a segurança das usinas nucleares e do armazenamento dos resíduos radioativos, ambas reivindicações do movimento, o discurso anti-nuclear continuou, por ideologia mesmo, igual. E é aí que mora o perigo!

Esse discurso dos anos 70 foi marcado pelo medo cada vez mais crescente das pessoas. O físico Spencer Weart, em seu livro "Nuclear Fear", esclarece que o medo nuclear não foi a única forma de imaginação, e muito menos a única força social, por trás do movimento ambiental. Mas, o medo nuclear teve um lugar especial. Ele despertou emoções mais cedo e em um nível mais visceral do que qualquer outro assunto. E serviu como uma bandeira que reuniu diferentes tribos. Em troca, o ambientalismo deu uma base sólida de medo nuclear para as massas de seguidores, para um conjunto de ideais e para a oposição aos reatores nucleares.

E estamos diante desse discurso novamente. As imagens do medo nuclear ainda são muito fortes no imaginário popular e expressões como "nenhum cientista pode afirmar que o risco é zero", "não há dinheiro que possa indenizar câncer hepático ou leucemia nas crianças vítimas dos vazamentos" e "esse pesadelo (...) lixo atômico", além de carregadas de pré-conceitos, incitam, automaticamente, a mente do leitor ao medo.



Sendo o medo uma das formas mais eficazes de CONTROLE SOCIAL, pergunto: usar e abusar de um discurso que induz o medo nuclear na sociedade é, realmente, uma forma ÉTICA e DEMOCRÁTICA de conduzir o debate sobre a energia nuclear no Brasil?



Não, Não e NÃO! Falo e repito: 
ISSO É UM RETROCESSO NO DEBATE!



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5 comentários:

  1. Esse lance de produção de energia "sustentável" tem seus limites. Pra construir uma hidrelétrica, por exemplo, é só pensar nos custos ecológicos e sociais de fazer uma barragem no terreno super plano da região onde será construída a usina de Belo Monte (e há planos de serem construídas outras usinas no Norte e Centro-Oeste, incluindo a região da PLANÍCIE do pantanal!). Sobre a energia eólica, do ponto de vista biológico, já foram feitos alguns estudos que atestam os prejuízos (mortalidade) a aves e morcegos.
    Quero dizer que não há qualquer tipo de produção de energia elétrica 100% segura e isenta de impactos ecológicos e sociais.
    Resta saber com qual grupos de problemas desejamos lidar no processo de escolha da matriz energética predominante.

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  2. "Eu vi uma usina hidrelétrica ser construída nos arredores da pequena cidade em que eu morava. Desde pequena constatei juntamente com meu avô que era um dos maiores agricultores da região o impacto ambiental que esta usina trouxe para nossa pequena cidade. Um rio represado sem peixes, uma hoje dá boas vindas para quem chega com um cheiro horrível, pastos e lavouras inteiras atacadas pelas pragas provenientes da cana. Gerou muitos empregos, claro que sim pagam uma ninharia para a mão de obra especializada (engenheiros, técnicos, médicos, etc) e um salário de fome para quem corta cana, sim pois quem cortava cana tinha dificuldade para ter uma vida digna. Antes da "cana" tinha muita lavoura,muito gado, muito peixe, muito gado muito trabalho e muita fartura. Hoje tem um monte de gente que vive muito mal e os arredores da cidade cheira mal. Eu visitei a usina de Angra pelo que eu vi as pessoas vivem bem com seus salários e a cidade não dá boas vindas ao visitante com cheiro de esgoto ou cana podre.O problema da energia nuclear é um só "ignorância",o cidadão tem que se informar direito sobre os prós e contras das usinas hidrelétricas e nucleares e formarem sua opinião e não deixar um Doutor alguém que se diz formador de opinião e se deixar levar pela opinião do Doutor. Se esse Doutor quiser o endereço da usina para fazer um agradável passeio eu passo pra ele depois.

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  3. Também sou da opinião de que o artigo, por ser tendencioso, não deveria ter sido publicado em um órgão de imprensa que estivesse buscando responsavelmente informar os leitores para que eles pudessem formar opiniões bem embasadas e imparciais sobre um tema tão complexo como este. Para quem tenta enxergar todos os lados desta questão, fica fácil perceber como tem se tornado cômodo e fácil para um determinado grupo de pessoas, a disseminação do medo entre a população, usando para isso, os clássicos exemplos de Chernobyl, Three Miles Island, e recentemente, o de Fukushima.
    Tenho constantemente procurado ler e entender os motivos pelos quais muitos são contra as usinas nucleares, bem como os daqueles que as defendem, e acho que isto me deixa cada vez mais apto a julgar e chegar a uma opinião pessoal definitiva, mas ainda não me considero devidamente informado para tanto. Acho muito fácil encontrar argumentos que me levariam a condenar este tipo de obtenção de energia elétrica, mas como tenho uma tendência a evitar soluções fáceis e mentalmente cômodas, acho que vou continuar lendo bastante o que você escreve aqui, e talvez assim eu possa me convencer de que seja possível diminuirmos consideravelmente, e cada vez mais, os riscos envolvidos, o que permitiria a nossa boa convivência com elas.
    A maior defesa das usinas nucleares é a de que elas não provocam o agravamento do efeito estufa, mas o que você tem a dizer sobre o que o autor do artigo diz sobre a queima de combustíveis fósseis para a produção de urânio enriquecido?
    Que tal escrever sobre isso, para que possamos entender até que ponto isto é verdade?

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  4. Pois é Alessandra, esse papo de "energia limpa" é usado tanto por quem defende quanto por quem condena a geração de energia núcleo-elétrica. E isso também não me agrada não! Já coloquei esse assunto na minha lista de futuros posts!

    Achei bem legal seu comentário Lubianka. Reforça o que a Alessandra disse sobre os impactos ecológicos e ambientais que as diferentes formas de geração de energia podem ocasionar. E as pessoas muitas vezes desconhecem os impactos causados pela nossa principal forma de geração de energia elétrica. Infelizmente, a construção de hidrelétricas no Brasil nem sempre respeita os direitos humanos da população que vive nas áreas afetadas. Existe, inclusive, um movimento social que luta por esses direitos: o MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens (www.mabnacional.org.br). Só pra completar, lembrei de 2 filmes sobre o tema: Narradores de Javé (Brasil, 2003) e Northfork (EUA, 2003).

    Legal sua postura, Jairo, de considerar diferentes opiniões! A ideia é justamente essa! Pedido anotado. Antes de falar abobrinha, vou pesquisar mais sobre a queima de combustíveis fósseis para a produção de urânio enriquecido, tanto nos EUA, quanto no Brasil, ok?

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  5. Continuo considerando a decisão alemã extremamente arriscada, parece mais jogada política da Merkel que outra coisa qualquer.
    É fácil "jogar para a torcida" e não existe nenhuma iniciativa tecnológica que apresente risco zero.
    Achei interessante o ponto de vista do Björn Lomborg, ambientalista dinamarquês que teve um documentário divulgado pelo GNT esta semana:

    http://thesheaf.com/opinions/2011/04/13/bjørn-lomborg-its-too-early-to-abandon-nuclear-energy/

    Do texto do Prof. Bosi não ficou claro o que tem a biomassa a ver com produção de energia elétrica no Brasil: vamos mudar a matriz e gerar mais emissão de carbono?
    A cana também foi citada no comentário da Lubianka: o que ela tem a ver com hidrelétricas?
    []´s

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