quinta-feira, 14 de abril de 2011

Devemos ou não investir em novas usinas nucleares?

"A construção de usinas nucleares, por si só, não garante avanços significativos no domínio da tecnologia nuclear. A consolidação de nossa capacidade nuclear, inclusive para geração elétrica, depende de planejamento, projeto, desenvolvimento e construção de reatores, especialmente de pesquisa, no país." Dr. Ildo Sauer, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Energia do IEE/USP e diretor de energia da Fiesp, em TENDÊNCIAS/DEBATES da Folha de São Paulo, 05/04/2011.


A ideia defendida pelo Dr. Ildo Sauer é a de que NÃO devemos investir em novos reatores de potência. Devemos aplicar recursos financeiros (isto é, uma parcela bem pequena daqueles previstos para novas usinas) apenas nos projetos de reatores de pesquisa, como o da Marinha e o RMB (Reator Multipropósito Brasileiro).

Você, leitor, concorda com essa ideia? Eu, não.

Quando li essa frase no texto do Dr. Ildo Sauer, algo me incomodou. Demorei um pouco para perceber o que era. Mas agora caiu a ficha (nossa, essa é velha!). Penso que essa conclusão, "a construção de usinas nucleares não garante avanços significativos no domínio da tecnologia nuclear", é um tanto quanto limitada e fora do contexto mais amplo da área nuclear brasileira. Eu explico.

O Brasil possui poucos reatores nucleares em seu solo. Temos dois reatores de potência (para geração de eletricidade) em funcionamento - Angra 1 e Angra 2 - e mais um em construção - Angra 3 (foto). Há também quatro reatores de pesquisa - o IEA-R1 e o IPEN-MB-01 em São Paulo, o Argonauta no Rio de Janeiro e o Triga Mark 1 em Belo Horizonte - e, como o próprio Ildo destacou, mais dois na fase de projeto - o da Marinha e o RMB (Reator Multipropósito Brasileiro). Nesse universo pequeno de reatores nucleares, toda a experiência adquirida nas etapas de construção, operação e manutenção dos reatores é extremamente importante para uma melhor compreensão e domínio da tecnologia nuclear em seus mais diversos aspectos.

O domínio da tecnologia nuclear inclui, além dos aspectos técnicos/tecnológicos, apectos de gestão. A gestão do conhecimento nuclear, por exemplo, é um conceito relativamente recente, que ganhou espaço internacional na década de 1990 (veja o esforço mundial da Agência Internacional de Energia Atômica). As pessoas são a componente mais importante nesse sistema de gestão e a criação de novos conhecimentos é um de seus subprodutos mais valiosos. Para um sistema de gestão do conhecimento funcionar adequadamente, as pessoas envolvidas devem estar dispostas a compartilhar e utilizar os conhecimentos existentes e a gerar novos conhecimentos de forma cooperativa.

Nesse sentido, embora o foco dos reatores de potência seja bem diferente daqueles dos reatores de pesquisa, é possível ocorrer (e ocorre!) uma sinergia entre eles. Vamos considerar, por exemplo, a importante questão da formação dos recursos humanos para a operação das usinas. A Eletronuclear, empresa responsável pela operação e manutenção dos reatores de potência brasileiros, tem décadas de experiência no treinamento dos operadores. Tal treinamento é licenciado pelo órgão regulador brasileiro, a CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear), e inclui aulas teóricas e práticas em simuladores. Em Mambucaba (RJ), há um centro específico para esse treinamento, com locais apropriados para o ensino prático de tarefas de manutenção e com um simulador que reproduz a sala de controle de Angra 2, onde são treinados, além dos operadores da Eletronuclear, operadores de usinas estrangeiras (por exemplo, os argentinos da usina Atucha 1). E onde entra a sinergia nesse caso? Em primeiro lugar, parte desse treinamento dos operadores é, por norma, realizado em reatores de pesquisa. Em segundo lugar, para licenciar suas plantas, os futuros reatores (como o da Marinha e o RMB) terão que treinar seus operadores, podendo, para isso, aproveitar a experiência da Eletronuclear nesse assunto.

Além disso, a Eletronuclear absorve boa parte da mão-de-obra altamente especializada em tecnologia nuclear. Isso significa que os mestres e doutores formados na área de engenharia de reatores, por exemplo, podem permanecer em suas áreas de formação graças à Eletronuclear. Isso é particularmente importante porque a maior parte do pessoal que está hoje no setor é da geração de formados entre 1975-1980, e estão para se aposentar. É necessário haver uma superposição no mercado de trabalho entre quem está saindo e quem está entrando para que haja a transferência do conhecimento.

No Brasil, o setor público é o principal responsável pela oferta de empregos na área de reatores nucleares e suas áreas correlatas (combustível nuclear, análise de segurança, etc.). Uma rápida análise dos editais de concursos públicos realizados entre 2007 e 2011 (figura abaixo) revela a importância da Eletronuclear nessa oferta de empregos: ela, sozinha, é responsável por 52% da oferta de cargos para Engenheiros e Físicos, basicamente.


Para que ocorra um crescimento do setor nuclear brasileiro como um todo, incluindo aí as pesquisas e as diversas aplicações da tecnologia nuclear, a existência de mão-de-obra qualificada é fundamental. Precisamos de braços e cérebros na área nuclear brasileira! Pergunto ao leitor: como atrair jovens profisionais para se especializarem na área se não houver uma expansão da oferta de empregos no setor? Você dedicaria quatro anos da sua vida (mestrado + doutorado ou graduação na área) estudando algo que, na prática, tenha um mercado de trabalho reduzidíssimo? A formação de mão-de-obra qualificada vem aumentando na última década em função da construção da usina de Angra 2 (no final da década de 1990) e da promessa de crescimento do setor feita pelo Programa Nuclear Brasileiro. Esse crescimento é mostrado na figura abaixo para o caso do IPEN (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares em São Paulo), o maior formador brasileiro de mão-de-obra especializada na área nuclear. Note que somente a partir do final da década de 1990 é que o número de titulados ultrapassa aquele do final da década de 1970.

Investimentos em estudos científicos e desenvolvimento tecnológico são importantíssimos para a área nuclear, concordo. Mas o desenvolvimento das aplicações comerciais (e a consequente ampliação do mercado de trabalho) também o é! Somente quando estas três esferas (ciência, tecnologia e mercado) se desenvolverem juntas, a área de aplicações nucleares brasileira consiguirá crescer.

Tudo isso para dizer que, diferentemente do que foi defendido pelo Dr. Ildo Sauer, os investimentos em reatores de potência (uma das aplicações comerciais da tecnologia nuclear) são importantes sim para a consolidação de nossa capacidade nuclear.

Por fim, cabe ressaltar que "investimentos em reatores de potência" não siginfica abraçar a geração nucleo-elétrica de forma a torná-la nossa principal fonte de geração de energia! Não! A proposta de investimentos no setor é bem mais modesta que isso: ampliar a participação da energia nuclear na geração de eletricidade dos atuais 3% para 5%. Isso mesmo: só 5%!


Deixo aqui um apelo aos leitores: antes de dizer não às usinas nucleares, considere as implicações que isso pode acarretar ao setor nuclear brasileiro como um todo (inclusive nas aplicações médicas). Pense nisso!

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