Fissão nuclear é o processo pelo qual um núcleo pesado parte-se em dois ou mais fragmentos, com liberação de energia e emissão de nêutrons. Este processo pode ser espontâneo ou induzido. Espontâneo significa que não é necessário fornecer energia ao núcleo para ele fissionar, como no caso do Califórnio-252. Entretanto, esse processo espontâneo acontece raramente. Para que a haja uma probabilidade grande da fissão ocorrer, é necessário fornecer energia ao núcleo para iniciar o processo.
A maneira mais comum de fornececer energia ao núcleo é através de nêutrons. Experimentos de bombardeamento por nêutrons de alvos constituídos por diferentes elementos químicos da tabela periódica iniciaram-se na década de 1930 sob a liderança de Enrico Fermi. O processo de fissão nuclear foi hipotetizado e verificado experimentalmente no começo de 1939. O primeiro modelo detalhado do processo de fissão foi desenvolvido por Niels Bohr e John Wheeler em 1939 e ficou conhecido como modelo da gota líquida, em analogia ao comportamento das gotas.
Opa, como assim a fissão nuclear foi relacionada com gotas de líquidos? Pois é, observem o comportamento dessa gota de água no vídeo abaixo:
Repararam nas oscilações e deformações que a gota sofreu? Pois é daí que surgiu a ideia de relacionar fissão nuclear e gotas! Eu explico.
Lembram-se da força eletrostática entre partículas carregadas lá do colégio? E daquela idéia de que os opostos se atraem? Pois é, entre duas partículas carregadas com cargas elétricas de sinais diferentes (uma positiva e a outra negativa), existe uma força de atração que quer aproximar essas partículas. Por outro lado, entre partículas carregadas com cargas de mesmo sinal (positivas, por exemplo), existe uma força repulsiva que tenta afastar uma partícula da outra. Em um núcleo, formado por prótons e nêutrons, tanto a força eletrostática repulsiva entre os prótons (que têm cargas positivas), quanto a força nuclear atrativa entre os núcleons (prótons e nêutrons), estão agindo. Assim, em um núcleo estável, temos um jogo de forças: a força nuclear é suficientemente mais forte que a eletrostática para manter o núcleo íntegro.
Pois bem, imagine agora que um núcleo absorveu um nêutron e formou um núcleo composto (núcleo original + nêutron) com mais energia interna. Depois da absorção do nêutron, o núcleo começa a oscilar e se torna distorcido, como a gota no vídeo acima. Se essa oscilação gera uma forma parecida com a de um halter (aquele pesinho de ginástica), forças eletrostáticas de repulsão entre os dois nódulos formados podem se tornam mais fortes que as forças nucleares atrativas de curto alcance. Nesse caso, os nódulos afastam-se uns dos outros, culminando na fissão. Pensando em termos de forças, ao conseguir separar um núcleo, a fissão representa a vitória extrema da força de repulsão eletrostática!
Nesse processo de separação dos nódulos, de um a três nêutrons podem ser liberados. Livres, eles podem interagir com outros núcleos, induzindo novas fissões. Estas podem liberar mais nêutrons livres que podem interagir com outros núcleos, induzindo novas fissões que podem liberar mais nêutrons livres que... e assim vai! O resultado final é a chamada REAÇÃO EM CADEIA.
Muito confuso? Veja o vídeo abaixo:
*IMPORTANTE: Essa explosão no final nem sempre ocorre!!! A reação em cadeia pode ser controlada (como acontece nos reatores nucleares) ou não (como na bomba atômica, aí sim resultando na explosão).
Vale ressaltar que as características essenciais do modelo da gota líquida para a fissão são aceitas até hoje. Na verdade, o ANTES e o DEPOIS da fissão são bem conhecidos, mas o que ocorre DURANTE a fissão ainda não é totalmente entendido e há físicos nucleares no mundo inteiro pesquisando esse tema.
Note que ao se partir, o núcleo composto busca alcançar configurações mais estáveis do que a inicial. Entretanto, isso não significa que os produtos da fissão atinjam a estabilidade logo de cara. No processo de fissão, o núcleo composto gera dois produtos de fissão que podem ou não ser radioativos. Se esses produtos de fissão forem radiativos, esses núcleos "pai" podem gerar núcleos "filhos" radioativos (ou não!). Os "filhos" radioativos passam a emitir radiação beta e gama buscando também alcançar configurações mais estáveis. Mas os núcleos "netos" também podem ser radiativos e emitem... e assim vai, até que núcleos estáveis sejam alcançados. Essa "família" de núcleos é conhecida por CADEIAS DE DECAIMENTO dos produtos da fissão.
O Urânio-235, por exemplo, muito utilizado em reatores nucleares, ao se fissionar, tem grandes probabilidades de formar um núcleo com número de massa (prótons + nêutrons) aproximadamente 95 e outro com número de massa em torno de 137. A figura ao lado mostra justamente isso: a probabilidade (eixo y) de formação de núcleos com diferentes números de massa (eixo x) a partir da fissão do U-235. Notaram a corcova de camelo com picos em 95 e em 137? Essa figura mostra também a cadeia de decaimento de dois produtos de fissão bastante prováveis: o Xenônio-140 e o Estrôncio-94. O "T" da figura é o tempo de meia vida de cada núcleo, isto é, o tempo que leva para metade dos núcleos de uma amostra (que contém muuuuitos núcleos) decaírem.
Pois é, eu falei que energia é liberada na fissão. Mas, por quê? Existe uma pequena diferença de massa entre o núcleo composto e os produtos resultantes da fissão (pois é, na física nuclear a massa nem sempre se conserva, mas a energia sim!). Na fissão, essa pequena diferença de massa é liberada na forma de energia, seguindo a famosa equação de Einstein: E=mc². Aproximadamente 81% da energia liberada nesse processo está na forma de energia cinética dos produtos de fissão (lembram do colégio? Aquela relacionada à velocidade). Cerca de 13%, resulta do decaimento dos produtos de fissão, enquanto que 3% da energia é emitida como radiação gama liberada durante a fissão. Os últimos 3% manifestam-se na energia cinética dos nêutrons emitidos na fissão.
Nossa, esse post ficou grande! Pra acabar, segue uma piadinha!
* Tradução: NA CASA DE REPOUSO PARA ÁTOMOS VELHINHOS: Quando eu era jovem, eu me sentia tão vivo, tão perigoso! Na verdade, você acredita que eu comecei a vida como um Urânio-238? Então um dia eu acidentalmente ejetei uma partícula alfa... olhe para mim agora, um velho átomo de Chumbo-206 desgastado. Parece que toda a minha vida desde então não parou de decair, decair, decair...
Esse blog seu vai virar um repositório de textos referenciais de divulgação sobre física nuclear. Muito interessante.
ResponderExcluirPois é, estou em uma onda mais didática do que polêmica no momento!
ResponderExcluirMuito bom!
ResponderExcluirdener