terça-feira, 6 de setembro de 2011

É preciso ser antinuclear para ser ambientalista?

Recebi contribuições muito interessantes nessa última semana que, aos poucos, irei publicando aqui no blog.

Vou começar com uma que me fez pensar se é preciso ser antinuclear para ser ambientalista. Talvez eu tenha dado essa impressão aos leitores com o meu último post. Então, justiça seja feita: existem SIM pessoas que defendem o meio-ambiente sem travar uma Cruzada contra a energia nuclear.

Esse é o caso, por exemplo, do ambientalista dinamarquês Björn Lomborg, autor de dois livros (The Skeptical Environmentalist e Cool It) e diretor do Conpenhagen Consensus Centre na Escola de Negócios de Copenhagen, entre outras coisas.

Confiram esse texto de sua autoria, publicado no The Sheaf em Abril desse ano.

---------------------------------------------------------------------------------------------

É cedo demais para abandonar a energia nuclear

Björn Lomborg

Tradução de Ricardo Sovat*

NOVA YORK — Recentemente, quando partes do Japão foram devastadas por um terremoto e pelo tsunami subsequente, as notícias das perdas humanas foram rapidamente ofuscadas pelo medo global da precipitação radioativa vinda da usina nuclear de Fukushima. A preocupação era compreensível: radiação é muito assustadora. Eu cresci na Dinamarca, num tempo em que o medo da energia nuclear era generalizado.

Porém, nossos últimos medos nucleares possuem implicações mais abrangentes, especialmente quanto ao fornecimento de energia e nosso desejo de nos afastarmos da dependência de combustíveis fósseis. É difícil distanciar-se no momento de um desastre natural de modo a ter uma perspectiva mais ampla; mesmo tentar fazê-lo pode parecer estúpido. Mas existem alguns fatos que não devemos ignorar.

Durante a cobertura diária do drama nuclear, o fantasma de Chernobyl foi invocado repetidamente. Vale a pena notar que o pior desastre na história causou apenas 31 mortes diretamente. A Organização Mundial de Saúde estima que 4000 mortes possam estar ligadas àquele desastre ao longo destes de 70 anos, enquanto que a OECD (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos) projeta algo entre 9000 e 33000 mortes durante este tempo.

Isto é considerável. Porém, leve em conta que, de acordo com o OECD, a cada ano aproximadamente um milhão de pessoas morrem por causa de micropartículas da poluição atmosférica. Contudo, esta taxa de morte em massa não provoca nenhum medo visível no mundo desenvolvido, e não recebe virtualmente nenhuma cobertura da mídia.

Claro, cada país com instalações de energia nuclear deveria revisar suas medidas de segurança em vista do desastre japonês, que levantou questões óbvias sobre os locais escolhidos para essas instalações. Claramente, usinas localizadas próximo a áreas propensas a tsunamis precisam ser repensadas e alguns países têm usinas assustadoramente próximas a falhas sísmicas — e a grandes cidades.

Porém, enquanto o compromisso dos EUA com a energia nuclear foi rapidamente reafirmado pelo Presidente Barack Obama, alguns governos europeus tomaram a decisão submissa de congelar imediatamente todos os novos projetos de energia nuclear, e, no caso da Alemanha, não estender a vida útil dos reatores existentes. Para a Alemanha, isto vai deixar um vazio que não poderá preencher com fontes de energia alternativas, restando-lhe poucas escolhas a não ser basear-se mais intensamente na energia do carvão.

Vemos o carvão como uma fonte de energia poluente, mas razoavelmente “segura”, comparada à energia nuclear. Contudo, só na China, acidentes na minas de carvão matam mais que 2000 pessoas a cada ano — e o carvão é a principal causa do smog, da chuva ácida, do aquecimento global e da toxicidade do ar. Em decorrência da decisão da Alemanha, espera-se agora que sua emissão anual de carbono aumente em 10% — em um momento em que as emissões da União Europeia estão subindo ao mesmo tempo em que o continente é sacudido pelos efeitos da crise econômica.

A Alemanha não tem uma alternativa de baixa emissão de carbono se fechar suas usinas nucleares, e o mesmo vale para a maioria dos outros países. Fontes de energia alternativa são caras demais e de modo algum são confiáveis o suficiente para substituir combustíveis fósseis.

Embora preocupações de segurança sejam preponderantes neste momento, a construção de novas usinas enfrenta outro obstáculo: elas são muito caras. Novas usinas nucleares apresentam elevados custos prévios (o que pode ser politicamente desafiador), incluindo um processo de planejamento muito complicado, demorado e tenso. No final, o custo total de uma usina nuclear é significativamente mais alto que o da usina mais barata baseada em combustível fóssil. E a sociedade precisa suportar custos adicionais significativos em termos de riscos de armazenamento de resíduos de combustível e de acidentes em larga escala. Além disso, na maior parte do mundo onde o consumo de energia está aumentando, a proliferação nuclear é uma questão levada em conta.

E existe a questão de manter as usinas existentes. Desativar reatores nucleares pode fazer-nos sentir mais seguros, mas nós deveríamos reconhecer que isto frequentemente significará compensar a perda de produção com maior dependência do carvão, implicando mais emissões que contribuem para o aquecimento global, e mais mortes, tanto da extração do carvão como da poluição atmosférica.

Além do mais, levando-se em conta que as usinas já se pagaram, as instalações para os resíduos já estão prontas e o alto custo da desativação terá de ser pago não importa quando, os custos reais de operação são muito baixos — metade ou menos por quilowatt-hora do que o custo dos combustíveis fósseis mais baratos.

A solução em longo prazo é mais pesquisa e desenvolvimento — não só em energia nuclear mais segura, de ponta, mas também em fontes energéticas como solar e eólica, que atualmente produzem bem menos que 1% da energia do planeta. De forma alarmante, estas pesquisas foram reduzidas ao longo das últimas três décadas.

Em protestos que exigiam que os políticos se posicionassem quanto à mudança climática, um grito soou: “Sem carvão, sem gás, sem nucleares, sem brincadeira!” A dura realidade — evidenciada elo desastre japonês — é que nós não podemos ainda nos dar ao luxo de desprezar o carvão, o gás e a energia nuclear. Até que possamos ter uma alternativa viável, reduzir a dependência em qualquer um deles significa que outro do grupo tem que tomar seu lugar.


* Obrigada pela participação e tradução Ricardo. 


Posts Relacionados

Energia nuclear: o retrocesso do debate

3 comentários:

  1. Achei muito boa a explicação no texto sobre a falta de alternativas no momento, ou seja, trocar as usinas nucleares pelas termoelétricas a carvão não parece mesmo ser uma escolha sensata, do ponto de vista do aumento das emissões de gases poluentes, provocados pelas termos. De fato, eu penso o seguinte: Porque não prevemos antes que chegaríamos mais cedo ou mais tarde a esta condição atual, em que precisamos ter que escolher a menos pior das alternativas?

    Entendo também o argumento do autor sobre o que ele pensa sobre o cancelamento de projetos de usinas nucleares, bem como da inutilização de instalações já prontas para armazenar os resíduos, alegando, em outras palavras, que isto seria uma atitude emotiva não pensada, devido à repercussão momentânea do acidente no Japão, e achei que ele foi muito feliz em ressaltar a importância de aumentarem-se os cuidados na escolha dos lugares onde poderíamos ter as usinas nucleares, onde não houvesse grandes possibilidades de tsunamis ou acidentes geológicos.

    A minha opinião é que devemos fomentar as pesquisas visando a melhoria na eficiência das fontes alternativas, e principalmente o seu barateamento, mas enquanto isso não é possível, acho que deveríamos evitar tomar decisões precipitadas e populares, sob pena de termos que pagar pelo caro preço do aumento dos prejuízos ambientais.

    Apenas uma dúvida:
    "A Organização Mundial de Saúde estima que 4000 mortes possam estar ligadas àquele desastre ao longo destes 70 anos(?)..." Não seriam 27 anos?

    ResponderExcluir
  2. Ah ... Traduttore, traditore :-)
    Onde lê-se "ao longo destes 70 anos", a anta aqui deveria ter escrito "num período de 70 anos", ou, melhor ainda, fazer o corte que a Pamela fez.
    Valeu, Jairo.

    ResponderExcluir
  3. Não dá para fazer omeletes sem quebrar os ovos...A energia nova no Brasil virá prioritariamente de grandes centrais hidrelétricas na amazônia, de combustíveis fósseis ou de usinas nucleares, além de uma fração menor mas considerável de eólica, solar e biomassa.

    Além disto, para uma crescente utilização da biomassa, da energia eólica e da solar, devido às sazonalidades, faz-se necessário que fontes com alta disponibilidade atuem na base do sistema elétrico e esse papel só pode ser desempenhado por hidrelétricas e pelas térmicas, tanto nucleares como fósseis.

    Portanto, a energia nuclear deve desempenhar um importante papel na matriz energética brasileira, sendo na minha visão a mais limpa das opções disponíveis.

    ResponderExcluir