Olá pessoal.
Antes de mais nada, desculpem-me por não publicar nenhum post semana passada! É que o bicho está pegando! A boa notícia é que enquanto eu tento manter a lucidez em meio ao caos de tantos prazos se esgotando, teremos hoje uma participação especial que não nos deixará sem o nosso post semanal. O físico nuclear Dr. Airton Deppman, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo desde 1998, fala-nos sobre as lições de Fukushima.
O desastre provocado no Japão pelo forte terremoto no último dia 11 de março, seguido de tsunami, é de proporções gigantescas quando comparado com acontecimentos naturais registrados nas últimas décadas. Não bastassem as perdas humanas, segue-se ainda o acidente nuclear, muito provavelmente induzido pelo abalo sísmico e pela onda gigante.
Qualquer acidente nuclear é, em si, um problema preocupante. Vazamento de material radioativo gera riscos à população que, se mal administrados, perdurarão por vários anos, e se bem administrados, gerarão custos financeiros extremamente altos. Some-se a isso danos ao ecossistema regional, ou eventualmente global, dependendo da magnitude do acidente.
O acidente de Fukushima é de natureza completamente diferente daquele de Tchernobyl, em 1986. Neste, o desastre ambiental foi provocado por falhas na segurança da usina, enquanto no Japão foi o desastre natural responsável pelas falhas do sistema. A escala do desastre, medida em energia liberada, também é completamente diferente: enquanto em Tchernobyl houve perda do controle da criticalidade do núcleo do reator, causando uma elevação brutal da temperatura do reator em um curto intervalo de tempo e a explosão subsequente, em Fukushima a reação em cadeia foi bloqueada com sucesso nos primeiros tremores de terra, "desligando" o reator. O efeito desses dois acidentes, no entanto, causam sobre a população do mundo inteiro reações muito semelhantes. A aversão à alternativa nuclear voltou a crescer e a despeito de ser uma fonte de energia praticamente tão limpa quanto a eólica, apesar de sua eficiência energética ser muito maior do que qualquer outra fonte, o medo das consequências de um acidente nuclear transformam em vilã uma opção ao uso de combustíveis fósseis que vinha ganhando espaço em vários países.
Mas será que o acidente de Fukushima de fato nos leva a essas conclusões? O terremoto seguido de tsunami dizimou cidades inteiras, paralisou a economia do país, destruiu plantas industriais. Industrias químicas e refinarias de petróleo despejaram toneladas de produtos tóxicos no meio-ambiente, casas e prédios foram transformados em destroços. Enquanto isso, nas usinas nucleares o sistema de segurança que controla a parte mais delicada do sistema funcionou perfeitamente e a reação em cadeia foi bloqueada. Os problemas que aconteceram foram devidos a falhas no sistema de refrigeração, que deveria permitir a troca de calor gerado pelo decaimento de material radioativo produzido durante o funcionamento da usina. Este mecanismo é natural, não pode ser parado, e a energia liberada aquece o reservatório de água dentro da usina. Sem esse sistema de refrigeração a temperatura subiu lentamente e a usina se transformou numa panela de pressão, até que o teto explodiu liberando uma nuvem de vapor.
O problema é que junto com essa nuvem saem também gases radioativos produzidos no núcleo do reator durante seu funcionamento normal. Como a temperatura é baixa quando comparada com aquelas de Tchernobyl, esses gases atingiram algumas dezenas de quilômetros e depois caíram sobre o solo. As correntes de ar dissiparam esses gases numa região limitada, que felizmente atingiu principalmente a costa do Pacífico.
O aumento da radioatividade na região aumentou, mas chegou a níveis pouco acima dos níveis naturais médios. Poderá causar prejuízos à saúde da população local, exigirá o isolamento ou a limpeza das regiões vizinhas às usinas, mas nada comparado a Tchernobyl. Será provavelmente mais próximo do acidente de Goiânia, onde nenhuma usina nuclear estava envolvida.
Fukushima nos deixará muitas lições. Aprenderemos muito sobre como melhorar a segurança das usinas nucleares, mas sobretudo já aprendemos que elas são muito mais seguras do que em geral esperávamos. Apesar da gravidade dos abalos sofridos pela usina, ainda foi possível manter um controle razoável da situação. Não há, portanto, motivos para se deixar de lado a opção nuclear numa rede híbrida de geração de energia, mesmo para o Brasil, onde biomassa e a eólica são opções também promissoras.
Mais que isso, a tecnologia nuclear não é uma opção, é uma necessidade. Além da energia, ela nos dá radiofármacos, métodos de diagnóstico clínico, métodos e produtos para quimioterapia. Investir em usinas nucleares é investir na tecnologia nuclear, na formação de pessoal técnico qualificado, e não apenas na geração de energia. O momento é de reflexão, mas na direção de aprender com o acidente no Japão. Este é o momento de investir no capital humano que temos no Brasil, e que poderá aprender com os acontecimentos em Fukushima e gerar novos conhecimentos para o nosso desenvolvimento tecnológico.
Dr. Airton Deppman
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Para não dizer que não falei de Fukushima!
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