domingo, 27 de maio de 2012

Contaminação de Urânio nas águas de Caetité: que papo é esse?


Em 2008, o Greenpeace denunciou, com um baita estardalhaço, a contaminação da água no distrito de Lagoa Real, em Caetité (Bahia), devido à atividade de mineração de urânio realizada pela Indústrias Nucleares do Brasil (INB), classificada pela Organização Não-Governamental (ONG) como perigosa e poluente.

O Relatório Ciclo do Perigo – Impactos da Produção de Combustível Nuclear no Brasil, realizado pelo Greenpeace, concluiu que há contaminação na água da região, pois duas amostras de água coletas no entorno da mina de Caetité apresentaram concentrações de urânio superiores a 0,015 mg/L, concentração máxima de urânio permitida pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Veja abaixo o vídeo produzido pelo Greenpeace:



E uma pequena amostra das repercussões dessa denúncia junto à população local:

 

Esse assunto repercurtiu na mídia por um bom tempo e ainda hoje "dá pano pra manga"!

Cerca de um ano depois da publicação do Greenpeace, por exemplo, o governador da Bahia Jaques Wagner (PT) encampou a denúncia e, em dezembro de 2009, o Instituto de Gestão das Águas e Clima da Bahia interditou boa parte dos poços na cidade. Resultado: foi preciso contratar um serviço de caminhões-pipa para abastecer de água potável os 3.000 habitantes da zona rural de Caetité.

A prefeitura, paupérrima, gastou mais de 70.000,00 reais nisso até que, em Abril de 2010, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) liberou o consumo da água de Caetité. De acordo com o estudo da CNEN, as águas que passam pela INB Caetité nem sequer chegam às comunidades onde os poços foram fechados.


Monitoração ambiental pela INB

A INB afirma que as análises que vêm sendo realizadas desde 1990, nove anos antes da implantação da unidade de mineração, atestam que a atividade mineradora não contribui para o aumento da presença de urânio na região. São mais de 16 mil análises por ano que monitoram mais de 150 poços situados em Maniaçu, São Timóteo, Juazeiro, Lagoa Real e Caetité.

Entretanto, a falta de divulgação dos resultados dessas análises até a época da denúncia feita pelo Greenpeace corroborou para espalhar o medo na população.

A boa notícia dessa confusão toda é que agora os resultados dos testes sobre a qualidade das águas de Caetité ganharam mais transparência e são divulgados pela própria INB em seu site. A última pesquisa realizada pela INB ao longo de 2011 foi divulgada em Janeiro desse ano.

"A concentração de urânio nas águas de superfície em diferentes localidades ao redor da Unidade de Mineração e Beneficiamento de Urânio das Indústrias Nucleares do Brasil em Caetité (BA), medidas em diferentes épocas do ano de 2011, apresenta valores sempre abaixo de um terço do limite estabelecido pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente, órgão vinculado ao IBAMA", informou o físico Delcy Py, especialista em radiação.

Resultados da monitoração das águas ao redor da mina de Caetité feita pelas
Indústrias Nucleares do Brasil no ano de 2011.

Fiscalização pela CNEN

A Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) é um dos órgãos responsáveis por fiscalizar as atividades das Indústrias Nucleares do Brasil. E para a CNEN, a ocorrência de urânio nas águas subterrâneas da região é natural, não podendo ser atribuída à operação da INB. 

A INB deve executar um programa de monitoração ambiental (PMA), previamente aprovado pela CNEN, e apresentar os resultados obtidos, periodicamente, à Comissão. Além da água, são feitas análises de amostras de ar, sedimentos, vegetais, leite etc, colhidas em pontos estabelecidos no PMA e localizados ao redor da área de propriedade da instalação.

“Os resultados dessas análises são avaliados pelos especialistas da CNEN. Para verificar a qualidade, periodicamente também são realizadas campanhas de coleta conjunta”, afirma o ex-diretor de radioproteção e segurança nuclear da CNEN, Dr. Laércio Vinhas, em entrevista à Atividades Nucleares.

Para chegar a conclusão de que não há contaminação do lençol freático devido à atividade de mineração da INB, os especialistas da CNEN colhem amostras nos mesmos pontos e nos mesmos instantes que os funcionários da INB. Elas são então analisadas nos laboratórios dos institutos da CNEN. Com base nos resultados de medidas de amostras de água do lençol freático, colhidas no interior da instalação, nas áreas circunvizinhas e em estudos de hidrogeologia se chega ao resultado.

Segundo a Cnen, as doses de radiação encontram-se abaixo do limite recomendado para exposição pública em poços abertos nas proximidades da mina da INB. A média histórica das taxas de radiação das águas de Caetité é de 0,1 Bq/L, ou seja, um valor 5 vezes menor que o máximo permitido que é de 0,5 Bq/L (bequerel por litro).

A radioatividade encontrada nessas águas é menor do que a de estâncias turísticas como Araxá (MG), Águas de Lindóia (SP) e Guarapari (ES).

A última pesquisa feita em 2011 pela CNEN (através do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares – IPEN) mostra que os mananciais de Caetité estão com índices normais de urânio. O IPEN realizou análises das amostras de águas dos poços situados nas Fazendas Mangabeira, Gameleira e Lajedo, e nos distritos de Juazeiro e São Timóteo. Em todos esses pontos, as médias de concentração de urânio ficaram abaixo da do limite estabelecido para consumo humano, determinado pelo Ministério da Saúde, em 0,03 mg/L, e pelo CONAMA, em 0,015mg/L.

Monitoração das águas subterrâneas de Caetité feita pelo IPEN/CNEN em 2011

O gráfico acima mostra a quantidade encontrada em cada ponto, com a respectiva distância deles da mina de urânio, representada por zero. Nota-se que não há maior concentração de urânio em poços mais próximos da mina. Na Fazenda Gameleira, a distância é representada negativamente, para indicar que o poço se localiza no caminho oposto da direção do percurso da água.  


Recente pesquisa da Universidade Federal de Sergipe

Devido à grande repercussão da campanha desenvolvida pela ONG junto à população local e das cidades vizinhas, um grupo de pesquisadoras da Universidade Federal de Sergipe, em parceria com a Universidade de São Paulo, decidiram investigar as causas da presença de urânio nas águas da região de Caetité e os os impactos da mineração no ambiente e na saúde da população que vive na região.

Orientadas pela professora Susana Lalic, com o apoio de Roseli Gennari da USP, as pesquisadoras Geângela Almeida e Simara Campos coletaram e analisaram amostras de água e solo em uma área de 100 km no entorno da mina de Caetité, desde Lagoa Real até o povoado de Maniaçu.

As amostras de água e de solo foram coletadas em Fevereiro de 2010 em fazendas que utilizam poços subterrâneos e cisternas para consumo animal, para irrigar a plantação e para consumo próprio, e solo onde é feito o plantio. Coletou-se, também, água na própria cidade, em praças e nas residências que utilizam água encanada.

Em apenas 2 das amostras analisadas as concentrações de urânio chegaram ao limite definido pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) de 0,0015 miligramas de urânio por litro. As duas amostras foram coletadas em poços localizados no município de Lagoa Real, onde existe uma grande reserva de urânio ainda não explorada. 

As pesquisadoras concluíram que “O solo de Caetité é muito rico em urânio, portanto, o que ocorre nas águas e no solo é um processo natural e não um processo de contaminação devido à exploração de urânio”. 

Para se certificar dos resultados das pesquisas feitas na Bahia, o grupo decidiu também investigar amostras de água da região de Santa Quitéria (CE), região com grande disponibilidade de urânio, mas que atualmente ainda não é explorada, para verificar se o mesmo fenômeno acontece no sertão cearense.

"Comparamos os dados de radiação ambiental de Caetité, que é uma região explorada, com os de Santa Quitéria, no Ceará, onde ainda não há atividade mineira, e verificamos que os resultados encontrados são muito próximos. Isto é um indicativo que nos mostra que o que existe no local é influência da própria natureza e não consequência puramente de uma contaminação" – afirma a pesquisadora Geângela Almeida. 

Simara Campos explica que o urânio é um dos elementos que compõem naturalmente o solo de todo planeta, sendo encontrado em maior quantidade em localidades como Caetité. “Um das causas para se encontrar o minério nas águas é que ele pode ser arrastado pela chuva ou pelos córregos, poços e rios”, informou a pesquisadora em entrevista à INB


Urânio nas águas

Em resposta às denúncias do Greenpeace, as análises realizadas pelo Laboratório Ambiental da INB, pela CNEN e pelo grupo de cientistas da Universidade Federal de Sergipe estabeleceram, de forma independente, que o nível de urânio encontrado está abaixo do limite estabelecido pela legislação. 

A explicação melhor fundamentada cientificamente para a origem do urânio nas águas de Caetité é  a de que se trata de um processo natural, característico da região que apresenta rochas com alta quantidade de urânio.

O urânio é mobilizado a partir das rochas pelo intemperismo de uraninita (UO2). A ação das águas superficiais e subterrâneas causa a dissolução oxidativa da uraninita do íon solúvel uranilo (UO2 2+). Em todo o mundo, de 27 mil a 32 mil toneladas de urânio são liberadas anualmente a partir de rochas ígneas, xisto, arenito e calcário pela erosão natural e intemperismo.

Assim, acredita-se que a concentração de U-238 determinada nos diversos pontos de coleta de água seja devida a processos de lixiviação natural das rochas da região que contêm urânio. Esse urânio entra em solução e atravessa o solo, alcançando o lençol freático. E essa quantidade de urânio nas águas subterrâneas pode variar ao longo do tempo, tanto por razões climáticas quanto geológicas.

Embora natural, é importante monitar frequentemente a quantidade de urânio nas águas da região para evitar danos à saúde da população local.


Para saber mais

Presença de urânio na água e em solo de Caetité deve-se a fatores ambientais - REVISTA BRASIL NUCLEAR, Ano 16, No. 38, 16/05/2012

Denúncia: água consumida em Caetité (BA) está contaminada por urânio

Relatório do Greenpeace: Ciclo do Perigo - Impactos da Produção de Combustível Nuclear no Brasil

Cnen esclarece situação da mina de urânio em Caetité - Newsletter Atividades Nucleares

Análises confirmam normalidade das águas dos poços de Caetité - site da INB

Dose de exposição radiométrica no entorno das minas de Caetité - BA e Santa Quitéria - CE. Dissertação de Mestrado de Geângela Almeida, UFS.

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