terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A tecnologia nuclear na campanha contra as DSTs

Na época do Carnaval, as campanhas contra a AIDS e outras DSTs ganham força. Aproveitando, então, esse embalo carnavalesco, vamos falar um pouquinho do papel da tecnologia nuclear nessa causa.

Você sabia, caro leitor, que os preservativos masculinos, vulgo camisinhas, são esterelizados através da irradiação com raios gama? Para isso, utiliza-se um irradiador gama industrial com o Cobalto-60 como fonte da radiação.


Essa fonte é instalada em uma câmara de irradiação com grossas paredes de concreto, que funcionam como blindagem, atenuando o escape de radiação da câmara.

Os produtos a serem irradiados são colocados em caixas ou "containers" e através de um monotrilho são conduzidos para o interior da câmara de irradiação, onde recebem a dose programada de radiação gama (veja a imagem e o vídeo abaixo).

Operadores qualificados controlam e monitoram eletronicamente a fonte de radiação e o tratamento dos produtos, através de um console situado fora da câmara de irradiação.

Fonte: MDS Nordion, Canadá - empresa fabricante de irradiadores. Retirada do site do CENA.

É importante mencionar que devido ao alto poder de penetração dos raios gama, esse processo de esterilização é feito com as camisinhas já embaladas. Além disso, como esse processo não gera resíduos, não há a necessidade de quarentena: as camisinhas podem ser utilizadas logo após a esterilização!

Além das camisinhas, muitos outros produtos são esterelizados com a irradiação gama: alimentos, produtos médico-hospitalares (luvas, seringas, agulhas, gaze, máscaras cirúrgicas, etc.), cosméticos, fármacos e medicamentos (inclusive suas embalagens), produtos fitoterápicos (como os chás, por exemplo) e até as turfas (substrato utilizado no plantio da soja).

No Brasil, já existem empresas que possuem irradiador próprio para esterilizar seus produtos, como a Jhonson & Jhonson, e outras que prestam serviços, como a CBE EMBRARAD.

No vídeo abaixo (em inglês), há um esquema do funcionamento de uma planta industrial de irradiação gama multi-propósito.




Para saber mais:

Equipamentos Utilizados para Irradiação de Alimentos e/ou Outros Materiais

Irradiação de Outros Materiais

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Game nuclear

Que tal controlar uma central nuclear? No jogo "Nuclear Power Plant Simulator", desenvolvido pela AE4RV, você pode! O objetivo é produzir o máximo de eletricidade possível, mantendo o reator dentro de seus limites operacionais e evitando o pior: o derretimento do núcleo!

Mas, antes de jogar, vamos a algumas informações úteis!

A geração de eletricidade: A planta nuclear que você irá controlar é do tipo PWR (Pressurized Water Reactor), ou reator à água pressurizada. Este é o tipo de reator mais comum no mundo e é do tipo que temos instalado em Angra dos Reis (RJ). Na figura abaixo há um esquema desse tipo de usina nuclear.

Esquema de uma usina nuclear. Adaptado do site da AE4RV.


Dentro do reator nuclear, os átomos de urânio são "divididos" (em termos técnicos, os núcleos dos átomos sofrem fissão), liberando energia (calor) e nêutrons. Esses nêutrons liberados podem induzir a fissão em outros átomos de Urânio, liberando mais energia e mais nêutrons, e assim sucessivamente, provocando uma reação em cadeia.

Nesse processo, há liberação de calor que é, então, usado para aquecer a água do circuito primário (Primary Coolant Loop, na figura). Essa água quente passa por um trocador de calor (Heat Exchanger, na figura), esquentando a água do circuito secundário (Secundary Coolant Loop) e transformando-a em vapor. A usina nuclear gera eletricidade forçando o vapor de água através de uma turbina (Steam Turbine) que, por sua vez, gira um gerador elétrico (Eletric Generator). Depois da turbina, o vapor de água passa por uma torre de resfriamento (Cooling Tower), onde se condensa, retornando como água para o trocador de calor.

Controlando a reação em cadeia: Felizmente, existem meios de controlar a reação de fissão dos átomos de Urânio. No jogo, usaremos as chamadas barras de controle para isso. O reator é equipado com barras de controle que são boas para absorver nêutrons, impedindo-os de induzirem novas fissões. Se as barras de controle são puxados para fora do núcleo do reator, há menos material absorvedor no núcleo e mais fissões podem ocorrer. Inserindo as barras no reator, gradualmente a reação em cadeia se desacelera, pois há cada vez menos nêutrons disponíveis para induzir novas fissões. Para simplificar, pense nas posições das barras de controle como o "acelerador" do reator. O reator é "desligado" quando as barras estão totalmente inseridas no núcleo.

Note que a geração de eletricidade é uma combinação de três fatores (pelo menos): a reação em cadeia no núcleo do reator, a taxa com a qual o circuito primario remove calor do núcleo e a taxa com a qual o circuito secundário remove calor do circuito primário. Assim, não adianta nada subir as barras de controle de uma vez, aumentando rapidamente a reação em cadeia, sem que o primário e o secundário consigam remover esse calorão liberado no núcleo! É preciso encontrar um equilíbrio entre o calor gerado no núcleo e o calor transportado até a turbina (em forma de vapor).

Jogando o Jogo

O "Nuclear Power Plant Simulator" é um jogo baseado em turnos. Você define a posição das barras de controle e a velocidade (ou melhor, o fluxo) de refrigerante primário e secundário uma vez por dia. Quando estiver satisfeito com suas escolhas, aperte o botão "Next Day" e verifique suas temperaturas e potência de saída. Depois, ajuste as barras de controle e as configurações de fluxo do refrigerante primário e do secundário novamente.

À medida que a planta gera eletricidade, o combustível (Urânio) vai sendo consumido. No jogo, a planta é operada até que o nível de combustível fique abaixo de 5%, momento em que o desempenho do jogador é avaliado.

Os displays: O visor principal apresenta a maioria dos dados necessários para monitorar a planta. Ele mostra as temperaturas do reator, do trocador de calor e da torre de resfriamento, os limites dessas temperaturas, a potência, o valor da energia produzida, os níveis de refrigerante e as taxas de vazamento das águas. Os medidores analógicos dão uma indicação alternativa (mais visual) das temperaturas (RT = do reator, HET = do trocador de calor e CTT= da torre de resfriamento) e da potência (PWR). As luzes de advertência na parte superior dizem se algo está errado ou passando dos limites operacionais.  

Manutenção da planta: Se ocorrer vazamentos, falhas das bombas de refrigerante, ou alguma outra falha grave e você precisar invocar o sistema de manutenção, é necessário, antes, desligar o reator inserindo totalmente as barras de controle (posição 0). Uma vez que a temperatura do reator fique abaixo de 100 graus Celsius, a planta será desligada e todos os sistemas passarão cuidadosamente pela manutenção. Você pode usar o refrigerante de emergência para acelerar o resfriamento do reator.

Dica: O refrigerante de emergência não é reciclado como os outros refrigerantes e sua oferta é limitada. Você vai ter um novo suprimento de refrigerante de emergência durante a manutenção. Além disso, não use manutenção se você não precisar dela - isso exige vários dias de tempo ocioso e vai diminuir a sua média de produção de energia.

O jogo é pago, mas sua versão "demo" pode ser acessada nesse link. Divirtam-se e me contem como foram!

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Viagem na eletricidade: hidráulicos versus termoelétricos

Há tempos que me deparei com uma série de vídeos franceses bastante didáticos sobre eletricidade. Três vídeos, em especial, falam sobre as diferenças entre a geração de eletricidade através das hidroelétricas e das termoelétricas.

Vale lembrar que a energia nuclear pode ser englobada na categoria das termoelétricas, sendo diferente das termoelétricas convencionais principalmente na maneira como a água é aquecida para gerar o vapor de água que movimentará a turbina! No caso das usinas nucleares, o calor vem da fissão dos núcleos de Urânio ou Plutônio (veja mais aqui), enquanto que as termoelétricas convencionais queimam carvão ou gás natural para produzir o calor necessário.

Com esses vídeos bem humorados também é possível entender porque as usinas nucleares são instaladas próximas aos mares e rios. Confiram!

OBS.: Bom para as aulas de física no ensino médio!








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Um pouco de fissão nuclear

Como funcionam os reatores nucleares?

domingo, 5 de fevereiro de 2012

E se o Irã cruzar a linha?

"Armas nucleares por si só têm pouca valia; elas não fizeram Saddam se render, não levaram a Sérvia a abrir mão do Kosovo nem intimidaram vietnamitas."

LEONAM DOS SANTOS GUIMARÃES
Publicado Folha de São Paulo, 
27 janeiro 2012


O Irã já tem capacidade nuclear, mas a construção de armas nucleares não é uma consequência necessária dessa constatação. A Suécia, a Alemanha e o Japão também têm capacidade nuclear. Mas esses países nunca cruzaram a linha entre "ter capacidade nuclear" e "ter armas nucleares". No Brasil, a Constituição veta cruzar essa linha. Israel, Índia, Paquistão e Coreia do Norte, por outro lado, fizeram isso.

Se o Irã vier a cruzar essa linha nos próximos anos, irá descobrir rapidamente aquilo que todos os líderes das potências que possuem armas nucleares já sabem (ou deveriam saber): as armas por si só têm pouca valia.

Os países que têm armas nucleares não podem usá-las para forçar as suas demandas a outras nações. Se pudessem, os Estados nucleares e não nucleares nunca entrariam em um conflito armado convencional, como a Guerra das Malvinas.

A posse de armas nucleares não foi suficiente para obrigar a rendição de Saddam Hussein em 1991 ou em 2003. Também não conseguiu forçar a Sérvia a abrir mão do Kosovo em 1999. Nem as armas nucleares americanas, em 1965, nem as chinesas, em 1979, conseguiram intimidar os vietnamitas.
Paradoxalmente, existem casos em que Estados que não possuem armas nucleares se lançaram em conflitos contra Estados que possuem. As armas nucleares israelenses não impediram os ataques sírios e egípcios em 1973. As armas nucleares russas não intimidaram a Geórgia em 2008, assim como não intimidam aos tchetchenos até hoje.

A Coreia do Norte tem armas nucleares há cinco anos. Ainda assim, além de não conseguir intimidar a Coreia do Sul, o país nem sequer forçou outros países a fornecer, por exemplo, alimentos suficientes para afastar a desnutrição endêmica que grassa em seu país.

A posse de armas nucleares não garante que os vizinhos de um país se curvem a seus interesses. Elas também não podem resolver litígios fronteiriços. As armas nucleares não podem impedir ataques terroristas, assim como não podem derrubar governos estrangeiros.

De fato, como o Paquistão aprendeu recentemente, armas nucleares nem mesmo garantem a própria integridade territorial, tendo em vista as ações do Taleban afegão.

Muitos argumentam que o Irã esteja sendo dirigido por um culto messiânico e apocalíptico, que não pode ser contido nem dissuadido.

Essas mesmas acusações já foram feitas, com melhores justificativas, ao Partido Comunista da China sob Mao Tsé-tung. Mas, embora o Irã, sem dúvida, exerça uma influência negativa na região, não há, de forma alguma, indícios de que o país planeje realizar o suicídio nacional, dada a esmagadora superioridade nuclear ocidental.

O desafio que a comunidade internacional enfrenta é estabelecer estratégias estruturadas de dissuasão e de contenção de países potencialmente proliferantes. É necessário também evitar a tentação de revidar impensadamente sob motivação do medo exagerado ou de "objetivos maiores" não explicitamente declarados.

A história nos mostra que a busca pela posse de armas nucleares é muito mais uma resposta dissuasória a ameaças percebidas do que a preparação para uma agressão. Gaddafi deve ter se arrependido de ter abandonado esse objetivo em 2003.


LEONAM DOS SANTOS GUIMARÃES, Doutor em engenharia naval e mestre em engenharia nuclear, é membro do grupo de assessoria permanente em energia nuclear da Agência Internacional de Energia Atômica e assistente da Presidência da Eletronuclear S.A.